quarta-feira, 20 de setembro de 2006

 

A História ressoa com os gritos das mulheres.



As páginas dos manuais prestam pouca atenção a determinados pormenores. Em vez disso, fazem-nos relatos secos de estratégias militares e ataques de flanco, da astúcia dos generais e da concentrção dos exércitos. Vemos ilustrações de homens de armadura, de espada em riste, corpos musculosos contorcidos nos estertores do combate. Vemos quadros de chefes em cima de nobres montadas, a fitarem os campos onde os soldados se dispõem como filas de trigo à espera da foice. Vemos mapas com setas que traçam a marcha dos exércitos conquistadores e lemos os versos das baladas marciais entoadas em nome do rei e da pátria. Os triunfos dos homens são sempre escritos em letras grandes com o sangue dos soldados.
Raramente se fala das mulheres.
Mas todos nós sabemos que elas estão lá, carne suave e pele macia, e que o seu perfume perpassa pelas páginas da História. Todos nós sabemos, embora possamos não falar disso, que a selvajaria da guerra não se confina aos campos de batalha. Que, quando o último soldado inimigo tomba e um exército se ergue glorioso, é para as mulheres conquistadas que o exército volta seguidamente a atenção.
Sempre assim foi, embora a realidade brutal raramente seja mencionada nos manuais de história. Em vez disso, leio sobre guerras fulgurantes como bronze, donde todos saem gloriosos. Sobre gregos, que combatem sob o olhar vigilante dos deuses, sobre a Guerra de Tróia, que, segundo o poeta Homero, foi uma guerra travada por heróis: Aquiles e Heitor, Ajax e Ulisses, nomes hoje consagrados por toda a eternidade. Homero escreve sobre o tinir das espadas, sobre o voo das flechas e sobre o solo ensopado de sangue. É o poeta Eurípides quem nos fala das consequências para as mulheres de Tróia, mas até ele é circunspecto. Não se demora em pormenores. Conta-nos que uma aterrorizada Cassandra foi arrastada do Templo de Atena por Ajax, mas deixa à nossa imaginação o que se segue. O rasgar das suas vestes, o desnudar da sua pele. Os gritos de dor e desespero dela.
Por toda a vencida cidade de Tróia devem ter ecoado gritos desses das gargantas de outras mulheres, à medida que os gregos vitoriosos se apoderavam do que lhes era devido e marcavam a sua vitória na carne das mulheres conquistadas. Teriam deixado vivo algum troiano para que este assistisse?
Os Antigos não falam disso. Mas que melhor maneira de cantar vitória do que abusar do corpo dos entes queridos do inimigo? Que prova mais poderosa pode haver de que o inimigo foi derrotado, humilhado, do que obrigá-lo a assistir enquanto o vencedor goza vezes sem conta?
Afinal o triunfo exige espectadores.
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                                                     cat128.gif Colocado por delta -- quarta-feira, setembro 20, 2006