quinta-feira, 20 de julho de 2006

 

Guerra de Tróia


A Guerra de Tróia prolongou-se por dez anos repletos de brutalidade. O sangue virgem de Ifigénia, derramado no altar em Áulis, enviara mil navios gregos com o vento de feição rumo a Tróia; no entanto, a vitória rápida não esperava os Gregos e isso porque os deuses do Olimpo estavam divididos.
Durante dez anos sangrentos, os Gregos sitiaram Tróia. Durante dez anos, não desistiram, atirando-se contra as muralhas dos inimigos, enquanto a sua sorte e infortúnio eram ditados pelos caprichos dos deuses.
Afrodite e Ares, assim como Apólo e Ártemis, tomavam o partido de Tróia. Pelo lado da Grécia estavam Hera, Atena e Posídon. A vitória vogava constantemente de um lado para o outro ao sabor do vento, tão inconstante como as brisas. Os heróis chacinavam e eram chacinados e o poeta Vírgilio diz que pela terra corriam rios de sangue.
No fim, não foi a força, mas a artimanha que obrigou Tróia a render-se. Na alvorada do último dia de Tróia, quando os soldados que a defendiam despertaram, depararam com um gigantesco cavalo de madeira que fora deixado defronte dos seus portões centenários.






Quando penso no Cavalo de Tróia, fico intrigada pela patetice dos soldados troianos. Quando começaram a empurrar aquele monstro de madeira para o interior da cidade, como podiam não saber que o inimigo estava escondido dentro do Cavalo? Porque motivo o levaram para dentro das muralhas de Tróia? Porque passaram aquela noite a festejar, toldando as suas mentes, numa celebração de embriaguez pela vitória?
Talvez fossem as muralhas inexpugnáveis que os levaram a comprazer-se consigo próprios. Depois de terem fechado os portões e reforçado as barricadas, como é que o inimigo os poderia atacar? Ao fim e ao cabo, encerraram-se na cidade e eles ficaram do lado de fora das muralhas.
Ninguém parou para considerar a possibilidade de o inimigo se encontrar no lado de dentro dos portões. Ninguém parou para pensar que o inimigo talvez se encontrasse já ali, junto deles.
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sexta-feira, 7 de julho de 2006

 

Ifigénia



Um lugar de ventos fortes e marés perigosas. É assim o porto grego de Áulis. É aqui que se encontram as ruínas do antigo Templo de Ártemis, a deusa da caça.
Foi em Áulis que se reuniram mil navios gregos para lançar o seu ataque a Tróia. Mas os ventos do Norte começaram a soprar, impedindo que os navios avançassem. Dia após dia, o vento soprava implacável e o Exército grego, sob o comando do rei Agamémnon, começou a dar mostras de inquietude e irritação.
Uma vidente revelou a razão daqueles ventos adversos: a deusa Ártemis estava encolerizada porque Agamémnon tinha chacinado uma das suas corças selvagens. Recusava-se a permitir que os gregos partissem a menos que Agamémnon lhe oferecesse um sacrifício terrível: a sua filha Ifigénia.
Assim, ele mandou chamar Ifigénia, afirmando que lhe tinha arranjado um casamento magnífico com Aquiles. Ela não sabia que, em vez disso, ia a caminho da morte.
A despeito das suas orações e gritos de "Meu Pai, poupai-me", os guerreiros levaram-na para o altar de sacrifício.
Eurípedes, o poeta trágico da Antiguidade, escreveu que os soldados de Atreu e todo o exército fixaram os olhos no chão, sem querer ver o derramamento do sangue da sua virgem. Não quiseram testemunhar o horror.
As tropas em silêncio reunidas numa atmosfera de tristeza. O bater dos tambores, não o rufar jubilante de uma celebração matrimonial, mas o rufar de uma marcha sombria em direcção à morte. O cortejo, uma longa fila serpenteante a caminho do pequeno bosque. A donzela, branca como um cisne, ladeada pelos soldados e sacerdotes. O rufar dos tambores pára. Ifigénia é levada, a gritar, para o altar. Estendem-na em cima da pedra fria. O pescoço níveo desnudado para a lâmina.
Talvez seja o próprio Agamémnon quem empunha a espada porque de que vale sacrificar alguém se não for o próprio a derramar o sangue sacrificial?
Agamémnon abeira-se do altar onde a sua própria filha está deitada, a carne tenra exposta a todos os olhares. Ela implora-lhe, mais uma vez, que poupe a sua vida. mas as suas súplicas são em vão.
O sacerdote agarra-a pelos cabelos, puxando a cabeça para trás a fim de expor a garganta. Por baixo da pele branca a artéria pulsa, assinalando o lugar em que a lâmina deve cortar.
Agamémnon mantém-se ao lado da filha, baixando o olhar para o rosto que ama. O seu sangue corre nas veias dela. Nos seus olhos vê os seus próprios olhos. Ao cortar a sua garganta estará a cortar a sua própria carne.



Ergue a espada. Os soldados permanecem em silêncio, como estátuas entre as árvores do bosque sagrado. Vê-se o fremir da pulsação no pescoço da jovem.
Ártemis exige o sacrifício. Agamémnon tem de cumprir.
Encosta a lâmina ao pescoço da filha fazendo pressão, golpeando em profundidade. O sangue começa a esguichar como que de um fonte, salpicando o rosto dele com gotas quentes.
Ifigénia ainda não morreu, os olhos revirados em horror enquanto o sangue jorra do seu pescoço. Aquando das derradeiras pulsações do coração, Ifigénia olha para o firmamento que escurece, sentindo a calidez do próprio sangue que esguichou para a sua face.
Os Antigos dizem que quase imediatamente o vento Norte deixou de soprar. Ártemis estava satisfeita.
Por fim, os navios gregos fizeram-se ao mar, os exércitos combateram e Tróia caiu.
No contexto desse derramamento de sangue de proporções incomensuráveis, o sacrifício de uma jovem virgem não tem o mínimo significado.
Mas quando penso na Guerra de Tróia; o que ocorre ao meu pensamento não é o cavalo de madeira, nem o entrechocar de espadas, nem os mil navios negros com as suas velas desfraldadas. Não. É a imagem do corpo de Ifigénia, exangue e mostrando a palidez da morte, com o pai ao seu lado a empunhar a espada ensanguentada.
O nobre Agamémnon com lágrimas nos olhos...


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